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terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Que Hóquei temos, que Hóquei queremos? - II

Dando seguimento ao ao ciclo de entrevistas que o "HOQUEIREGIONAL" vai tentar fazer junto dos responsáveis dos Clubes que englobam as 3 Associações (AP Coimbra, AP Leiria, AP Ribatejo), esta semana fomos falar com Rui Pedro Cunha, responsável pelo hóquei do ACR Santa Cita.
Rui Pedro Cunha, natural de Santa Cita, Homem desde sempre ligado ao Clube desta aldeia do Concelho de Tomar, é a história viva de um Clube que se impôs no panorama hoquistico Nacional, que tem vivido com dificuldades a nível de recrutamento de jovens para a sua cantera fruto da sua localização. Mas isso nunca foi motivo para desânimos, bem pelo contrário, como poderemos constatar na entrevista, e após alguns anos onde a formação foi subalternizada, eis que o ACR Santa Cita, aparece em força nos últimos 5, 6 anos com o Clube a ter os escalões praticamente todos, o que demonstra a vitalidade deste Clube, mostrando que com vontade e muita imaginação, a obra aparece e cresce.


HR – Sendo um Clube inserido numa zona que é relativamente longe do grande centro urbano do Concelho, qual o segredo dos responsáveis para o sucesso que o Santa Cita vai coleccionando nas formações mais jovens?

RC – É nossa convicção que há quatro principais factores críticos de sucesso num projecto de formação no Hóquei em Patins: disponibilidade de pavilhão e transportes; competência dos técnicos; organização interna e seccionistas empenhados; paixão pela modalidade. Deste modo, hoje em dia, pudemos e devemos assumir, sem falsas modéstias, que o Santa Cita preenche com eficácia todos estes requisitos. Pavilhão e carrinhas próprias, secretaria, oficina, posto médico e lavandaria como retaguarda de um conjunto de técnicos  e seccionistas que no dia-a-dia são os principais apoio aos mais de setenta atletas do Hóquei Juvenil. Fruto do envelhecimento e desertificação do mundo rural, a nossa maior dificuldade é o reduzido número de crianças que nos chegam para iniciar a prática da modalidade. Tentamos tornear esta circunstância abrindo o clube, alargando o campo de recrutamento e não impondo limite de idade para a iniciação à patinagem. Há muito que existe internamente uma directiva clara para todos: “quando um atleta entra na porta do pavilhão ninguém pergunta onde mora”. É muito gratificante ver chegar crianças de mais de vinte localidades diferentes que, com sacrifício dos pais, se deslocam até nós para praticarem a modalidade e confiarem na nossa estrutura.  Em relação ao limite de idade temos tido agradáveis surpresas, dado que, há atletas que começando a patinar tarde em relação à idade considerada ideal vieram a revelar-se excelentes praticantes. Importa porém lembrar que, no clube, todos  estamos conscientes que a avaliação do trabalho realizado não será medido apenas no presente nem unicamente pelas vitórias alcançadas. Elas podem e devem surgir de forma natural em consequência de um conjunto de boas práticas e sempre condicionadas pelo desempenho dos nossos adversários dado que há cada vez mais clubes a trabalhar com qualidade.

HR – Depois de alguns anos onde a formação de atletas foi um pouco descurada, por aquilo que se vê nos últimos anos, existe matéria humana, para pensar em voos mais altos. Será que podemos ver dentro de pouco tempo a equipa Sénior ser alimentada pelos jovens que evoluem na “cantera” do Santa Cita?

RC - A aposta na formação por parte do clube é uma decisão estratégica da máxima e igual importância para o futuro mas também para o presente. No presente, a vitalidade do clube em variadíssimas situações resulta em grande parte do contributo do hóquei juvenil: desde a organização de festas até à angariação de fundos, passando pelo aumento nos últimos anos do número de associados. No presente, o nosso plantel sénior já conta com atletas que fizeram integralmente a sua formação desportiva no Santa Cita: o Joel e o André. Por outro lado os nossos Juvenis participam frequentemente nos treinos dos seniores numa relação de interesse comum para ambos os grupos de trabalho. No futuro acreditamos que outros mais lá chegarão, sendo certo que, também aqui, não existem dois lados: os formados no Santa Cita e os formados noutros clubes. Temos no nosso plantel sénior atletas de extraordinária valia humana e desportiva, que nos enchem de orgulho. Pelo seu carácter, exemplo de dedicação e compreensão da cultura do clube são referências importantes para os nossos jovens. Não é coincidência o facto de nas assistências dos jogos de seniores se notar cada vez mais a presença  de atletas e familiares do universo do hóquei juvenil. Por tudo isto não é de estranhar que o orçamento do hóquei juvenil do Santa Cita seja significativamente superior ao do hóquei sénior. Se incrementássemos no hóquei sénior todos os recursos financeiros disponíveis estaríamos certamente mais desafogados economicamente no presente. Não sei é se teríamos futuro. Pessoalmente, ficarei muito feliz por cada atleta formado por nós que chegue aos seniores, mas, confesso, ficarei ainda mais feliz se os vir no futuro serem adultos responsáveis, estudantes ou profissionais exemplares, e sentir que o hóquei em patins os ajudou de alguma maneira a atingirem patamares de excelência na sua vida pessoal.

HR – Os gestão que uma Secção Juvenil tem, são uma “dor de cabeça” para os Directores de qualquer Clube. Como é que o Santa Cita consegue, pôr a máquina a funcionar? A colaboração dos pais é uma realidade no Clube?

RC - Eu diria que as “dores de cabeça” para os directores serão tanto menores quanto mais distribuída estiver a responsabilidade de ajudar estes jovens a crescer. O sucesso de cada um começa em casa, no seio da família. O clube pode ajudar mas nunca será determinante se as bases e o exemplo não forem recebidas directamente dos pais e familiares. Em relação à colaboração dos pais direi tudo em duas frases: o hóquei juvenil em Santa Cita pura e simplesmente não existia se não fosse a colaboração da esmagadora maioria deles. Dizer apenas obrigado não é suficiente é preciso reconhece-lo publicamente. Por outro lado, pessoalmente, na qualidade de responsável pelo hóquei juvenil tenho a vida muito facilitada por duas ordens de factores: descentralização do poder de decisão nos seccionistas que de forma notável são pilares fundamentais neste projecto e escolha criteriosa dos técnicos, seguida de total confiança, deixando-os trabalhar sem a pressão dos resultados. Em relação a estes últimos o Santa Cita vive uma situação privilegiada. Nuno Nobre, Eliseu Raimundo “Zig”, Rui Nunes, Paulo Lopes e Luís Cunha são nomes de indiscutivel competência.

HR – Com os Campeonatos Regionais a terminarem, no que diz respeito aos escalões de competição, como vê a prestação das equipas do Clube nas provas em que estão envolvidas?

RC – No começo da época na nossa reunião técnica, definimos em conjunto os objectivos colectivos para cada escalão. Sabíamos à partida que não seria uma época fácil para nenhum deles por circunstâncias diferentes e também pelo sorteio dos grupos que nos foi madrasto em todos os escalões. Nesta fase da época pudemos dizer que cumprimos de forma muito satisfatória o que estava prespectivado. Estamos certos que qualquer dos escalões nos darão ainda muitas alegrias na segunda parte da época. Quer os escalões que ficarem a competir nos campeonatos Regionais quer os que eventualmente forem aos Nacionais seguirão o seu percurso evolutivo com naturalidade, sem constrangimentos nem pressão de resultados.

HR – A necessidade de se adaptarem os Campeonatos, fruto das alterações impostas pela Federação, levou a que se começassem a disputar provas Regionais em conjunto com Leiria e Coimbra. Na sua óptica quais a vantagens e desvantagens deste modelo de competição?

RC - Estive presente nos sorteios realizados em Leiria na época passada, quando pela primeira vez realizámos campeonatos Regionais com Leiria e Coimbra . Aproveitei a ocasião para dar os parabéns pela decisão aos responsáveis das três associações presentes. Mais de um ano passado mantenho a mesma opinião. Este é o caminho correcto, embora, o tempo e a experiência vivida me leve a pensar que pudemos e devemos reflectir sobre o modelo competitivo por forma a melhorar o conceito actual. De forma muito sintetizada julgo que deveríamos organizar os convívios de Benjamins e Escolares numa primeira fase a nível Regional visando reduzir as despesas de deslocação para os pais e clubes e poupar as crianças de tenra idade a grandes deslocações. Na segunda fase, esta já de âmbito Regional, olhando exclusivamente para o interesse dos atletas, deveríamos, sem complexos, agrupar as equipas por grau de desenvolvimento na modalidade evitando jogos e resultados desnivelados, bem como todos inconvenientes que os mesmos acarretam quer para as crianças que perdem quer para as que ganham. Ao nível de Infantis, Iniciados, Juvenis e Juniores, deveríamos tentar encontrar uma solução para que o Campeão Regional fosse apurado com base na regularidade e não premiando a equipa que se encontra melhor no fim-de-semana da final-four. Penso ainda que esta reflexão deveria ser feita numa primeira fase ao nível técnico (na ausência de directores técnicos nas associações estas indicariam dois treinadores para o efeito) e só depois uma proposta comum sairia para aprovação superior ao nível dos dirigentes.

HR- Com a segunda época já a decorrer nestes moldes em que participam equipas de 3 Associações, provavelmente já terá uma ideia do trabalho que se realiza nos Clubes de outras Associações. Quer partilhar a sua opinião connosco sobre isso?

RC – É sempre difícil dar opinião com exactidão e sem correr o risco de ser injusto quando não se conhece em detalhe o que se passa nos outros clubes. Devo porém começar por dizer que nas circunstâncias  económicas e sociais actuais, considerando a clara perda de popularidade e interesse pelo hóquei em patins, fruto da falta de liderança, estratégia e capacidade de adaptação aos novos tempos que a modalidade há muito deixou de ter, todo e qualquer clube que consiga colocar em campo uma só equipa que seja deve ser digno de admiração e reconhecimento por alguma coisa fazer pela modalidade. Temo mesmo que o hóquei em patins venha cada vez mais a fechar-se em si mesmo marginalizando-se e abrindo espaço a que o marginalizem. De uma forma geral o que se verifica nos clubes do Ribatejo, Coimbra e Leiria, é a existência de ciclos virtuosos, isto é, não existe um trabalho continuado que garanta uma qualidade media nos vários escalões ou, pior e mais frequente ainda, a existência sequer de todos os escalões. Nas associações referidas o Turquel será único clube que está nesta situação ideal. Num segundo plano o Sp.Tomar estará muito próximo de o conseguir. E depois, como disse atrás, há muita gente a trabalhar bem: HC Santarém, Oliveira do Hospital, Académica, Águias de Memória, Juventude Ouriense têm excelentes equipas num ou em vários escalões.     

HR –Existe algum constrangimento em falar das “competições” mais jovens (Escolares e Benjamins). Qual é a percepção que os responsáveis técnicos tem sobre a forma de competição que é definida pela FPP? Acha que deve ou não existir já nestes escalões alguma forma de competição? Um dos pontos mais sensíveis a muitos Clubes é o facto de haver a obrigatoriedade de estarem dois GR na equipa faz que alguns Clubes prescindam de inscrever esses escalões por não conseguirem preencher esse requisito.  A falta de árbitros nos encontros é também outro dos pontos sensíveis a muitos Clubes. Gostaria que desse uma opinião pessoal acerca destas questões.

RC – Sou há muitos anos critico ao modelo vigente para estes escalões. Numa perspectiva do interesse das crianças, nunca dos pais e dirigentes, desde logo, não reconheço qualquer vantagem em apresentar classificações, sejam de que tipo forem, resultantes dos encontros efectuados. Estou certo que essas classificações podem envaidecer adultos pouco esclarecidos mas nada acrescentam à formação do jovem desportista. Suspeito mesmo que uma das razões para o nosso hoquista tipo estar, ano após ano, a perder o melhor que o caracterizava (técnica individual, repentismo, magia) com consequências dramáticas para a estética do jogo, se prende precisamente por desde tenra idade se verem amarrados a esquemas tácticos em nome de vitórias de gosto e interesse duvidoso. A regulamentação para estes escalões é teoricamente interessante mas na prática revela-se anti-pedagógica, confusa e geradora de conflito internos e entre clubes. Na minha opinião era fundamental uma revolução total nestes escalões que passaria por três decisões difíceis mas de óbvias vantagens:

·         redução do número de atletas por equipa: um guarda-redes e cinco universais com enormes vantagens na facilidade e custo de transportes, mais tempo útil de jogo para cada atleta e maior número de equipas. Deveríamos acompanhar esta medida com a redução do tempo de jogo e a permissão de cada clube inscrever o número de equipas que conseguisse.
·         organização de jogos de equipas com graus de aprendizagem semelhantes para evitar resultados desnivelados. As equipas deveriam ser inscritas no escalão e no nível/grau.
·         Dividir a época desportiva em duas (Setembro a Dezembro / Janeiro a Junho) para permitir inscrição de novas equipas, troca de atletas e alterações de nível/grau.  

HR – Para terminar, coloco este espaço para, se assim o entender, deixar uma mensagem a todos aqueles que de uma forma mais ou menos activa acompanham o HP, e em particular o Hóquei Juvenil.

RC – Se me permite terminarei com um agradecimento a si em particular e um pedido à comunidade do hóquei em patins em geral. O agradecimento: ao seu trabalho neste blogue de visita obrigatória e por ter dado espaço ao hóquei Juvenil da A.C.R de Santa Cita. O pedido: que nos olhem com justiça e sem preconceitos. Sabemos a qualidade do trabalho desportivo e social que efectuamos, conhecemos os nossos parcos limites e dimensão mas existimos há mais de trinta e cinco anos porque nos recusamos a deixar de sonhar.

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